quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Terra dos milagres.

A cenografia em Curitiba passa por uma fase interessante. O pouco que tenho visto é sempre pouco. Mesmo quando participo como cenógrafo, acho que é pouco.
A idéia de quem cria o espetáculo, em alguns casos o diretor, o produtor ou o grupo em outros, proporciona ao cenógrafo parâmetros bem definidos: fácil de transportar, leve, fácil de montar, pequeno, barato e nem pensar em técnico, maquinaria, etc, etc, etc....
Vejo, quando a Proscenium faz e constrói cenários para outros cenógrafos, que a mudança da função estética é pelo econômico. Tiram-se elementos, trocam-se materiais, extinguem-se idéias, porque não há o que move o nosso teatro hoje em dia: o dinheiro.
Em uma comunidade artística sustentada por editais, mecenatos, prêmios e fomentos, os criadores de obras teatrais deveriam perguntar-se o que querem quando direcionam-se para a cenografia.
Por experiência, vejo que as produções seguem cartilhas de valores. Os cenógrafos valem tanto, e devem projetar, construir, montar e acompanhar 40% dos ensaios. O "tanto", em Curitiba, nos últimos sete anos, é o mesmo valor.
Além da errônea compreensão da função do cenógrafo, se dividirmos o tal cachê em três meses de produção, teremos quase um salário mínimo por mês, não descontados os impostos. Realmente impressionante. É uma das vertentes a que ficam sujeitas as produções enlaçadas às benesses do poder público.
A culpa pode ser da ciranda produtiva. Mas a nossa indústria da cenografia resume-se a painéis e móveis da casa da mãe ou de lojas de usados, normalmente sem nenhum tratamento - Lembrem-se: não aos técnicos e aos aderecistas e aos pintores de arte – afinal eles custam caro.
A minha maior alegria é quando há cenário. Mesmo que não haja elemento algum em cena. A busca da economia nas funções técnicas, traz ao meio teatral curitibano, a retirada da cenografia, que é, tecnicamente falando, diferente de ter-se uma cenografia sem nenhum elemento.
Poucos mestres da cenografia conseguiram a façanha de fazer cenário sem nenhum cenário construído. Essa “limpeza”, é digna dos gênios. Infelizmente, vejo que em nossa cidade, essa tentativa é proveniente de um fator alheio ao criativo, e pouco sensível à arte: o econômico.
Dizer aos produtores que se quiserem cenário terão que direcionar no mínimo 15% da verba para a área, é comprar uma boa briga. Mas 15 % é para um cenário meia boca, com restrições, com tempo reduzido na construção e acabamento primário. A boa cenografia, profissional, teria que abocanhar uns 45 % da bolada. Obviamente, que estou trabalhando com os valores de nossos editais.
Outra obviedade, é que isso não passa de conjectura.
O que ainda não entendi, é que os projetos feitos com o mesmo valor, e com elencos diferentes, tenham um padrão idêntico para a área da cenografia. Vi espetáculos com 10 atores e com 2, deixarem a mesma coisa para a cenografia. Vi espetáculos com dezenas de equipamentos de luz e projeção e outros com nada, destinarem o mesmo tanto para a área técnica..
Concluo, que Curitiba é a terra do milagre. Milagre por que ainda fazem-se cenários. Milagre porque ainda temos técnicos de teatro. Milagre porque mesmo sem público há dezenas de peças em cartaz. Milagre da multiplicação: cenógrafos fazendo 4 ou 5 cenários ao mesmo tempo, iluminadores iluminando 4 ou mais peças ao mesmo tempo. Atores em 3 peças ou mais. Diretores dirigindo 4 peças ao mesmo tempo.
Eu, particularmente, não acredito em milagres.

2 comentários:

  1. Crítica lúcida e pertinente. Como sempre, com sua personalidade pouco loquaz, desinteressada da autopromoção, é capaz de resumir e enunciar todo o problema dessa cloaca curitibana. Perdoa a redundância, mas como podem ficar felizes com esse festival de teatro, expor-se como produto. É inacreditavel que um espírito resista tanto produzir pelo dinheiro, alheio a sucumbência. É inacreditavel o desacaramento da cópia, repetição, do insulto a inteligência dos produtores e diretores, que continuam agindo sem que ninguem, nesse solo mudo, aponte sua nudez imperial.
    Loas a ti!

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  2. Alfredo,
    Creio que esse problema ocorra não somente em Curitiba. Aqui na capital do Rio de janeiro nós cenógrafos teatrais sofremos deste mesmo mal. Temos que podar nossa criatividade em função da verba que nos é destinada. Infelizmente é assim. Como eu gostaria de ser bem remunerada pelo meu trabalho. Porque afinal é um trabalho que dá trabalho ao contrário do que muitos pensam. Boa sorte! Bruna

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